"QUALÉ" A DO MANÉ (E A DO PT)?


Clayton Romano
Historiador - Membro do PCB-Rio Preto


Deu na Coluna do Diário (14/10): "O sonho do PT em se aliar a Manoel Antunes (PSB), e vice-versa, acabou".

De acordo com a Coluna, assinada por Alexandre Gama, após "um período de intensas negociações, quando o presidente petista, Aílton Bertoni, se sentou para conversar com Mané e com o cacique Valdomiro Lopes (PSB), o assunto esfriou e hoje não existe mais dentro do PT qualquer sentimento de que a aliança com o ex-prefeito e pré-candidato vá se consolidar".

Para os petistas, eis o "x" do problema: "O Mané não articula, vai deixando solto e não acerta nada. Não podemos ficar na incerteza", diz Bertoni à Coluna. "Do jeito que ele está agindo, sem se movimentar", continua o petista, "parece que está querendo ser vice de alguém. Se quiser ser vice do Marco Rillo, aceitamos", provoca.

Está certo. Mané não é mesmo um "político profissional" na acepção atual do termo; sua formação e trajetória políticas remontam um tempo que realmente já se foi.

Formado em Letras Neolatinas pelo IBILCE (1962), o professor Manoel Antunes surgiu para a vida publica na década de 1960, quando foi presidente da Liga Rio-pretense de Futebol (1962-1968), "fortalecendo os campeonatos amador e varzeano da cidade, além de ter criado novos campeonatos" (
ARANTES, 2002, p. 277).

Em 1972, no auge da repressão política do Regime Militar (1964-1985), Mané foi eleito vereador. Reeleito em 1976 e presidente da Câmara Municipal de 1979 a 1980, o "Português" também foi diretor regional dos Correios entre 1974 e 1975. Em 1982, nas primeiras eleições diretas para o poder Executivo (estadual e municipal) em 17 anos, Mané saiu da Câmara direto para a Prefeitura.

Na oportunidade, a eleição de Manoel Antunes expressou o sutil desejo de mudança da sociedade riopretense ante a abertura política desenhada nos grandes centros urbanos do país. Daí que Mané tenha contado com o apoio de setores populares e de esquerda, inclusive, do então clandestino PCB, sob a batuta de
Antonio Roberto de Vasconcellos [1].

Aqui, Mané inaugurou a chamada "era" peemedebista (1983-1996) e se tornou o prefeito eleito com mais tempo no Executivo; ao todo 10 anos em dois mandatos (1983-1988 e 1993-1996), intercalados pela gestão de seu vice, Antônio Figueiredo de Oliveira, sua mais perversa "criação" (1989-1992).

Mané também consagrou um estílio próprio de administrar. Quem nunca ouviu falar dos lendários bilhetes do Mané, com as cores das canetas indicando de modo subliminar o parecer do prefeito para cada solicitação? Além do folclore político, tais bilhetes alimentavam e traduziam uma forma de se fazer política, revelando, sobretudo, o acesso direito do povo com seu governante, numa relação sem intermediários individuais (assessores, por exemplo) ou coletivos (partidos e etc).

Não custa lembrar que tal procedimento remete ao trabalhismo dos anos 50 e 60 (período de "formação política" de Manoel Antunes), asfixiado durante a ditadura e retomado em "bases democráticas" pelo PMDB no curso da "Nova República", ainda que PTB e PDT reclamassem para si a herança trabalhista.

Na prática, o trabalhismo representava a tentativa de conciliação entre capital e trabalho, sob a égide do Estado (este concebido enquanto agente formador e propulsor da sociedade), pautada na supressão dos conflitos em prol de uma tal "paz social". Confiando em líderes e com forte apelo popular, o trabalhismo foi denunciado como populismo por dezenas de analistas; inclusive pelos petistas, que nasceram recusando qualquer vinculação com os trabalhistas, seus partidos ou sindicatos, chamando-os então de "pelegos".

E assim, ainda que as principais obras de Mané estivessem "relacionadas diretamente com habitação, saneamento básico e educação" (Ibidem, p. 278), nítidas demandas populares, o PT de Rio Preto fez oposição aos dois mandatos do ex-prefeito. Nada de mais, afinal, os petistas fundavam sua prática política em moldes diferentes daqueles empregados por Mané, explorando os conflitos entre capital e trabalho, apostando na autonomia da sociedade em relação ao Estado.

No entanto, o PT não via (ou não queria ver) que o "estilo" popular de Mané contrariava a realização plena dos mais íntimos interesses da elite econômica da cidade (o "Português" não concedeu os "incentivos fiscais" exigidos por Kaiser e Goodyear, por exemplo); a mesma elite que apoiou Liberato Caboclo (PDT-PFL), em 1996, e se dividiu entre o retorno ao "estilo" de Mané (então no PFL) e o incerto "jeito" de Edinho, em 2000 (incerteza, diga-se, motivada pela presença do PT na "Frente Porgressista").

Com o "Governo Progressista" em curso, a elite econômica logo se encantou com o "jeito" nada popular de Edinho e hoje lhe move mundos e fundos. O PT se deu conta disso no meio do jogo e, por isso, foi expulso da partida (petistas seduzidos pelo canto de sereia da elite permaneceram no barco governista; alguns ainda continuam lá).

Desde 2004, os petistas sabem que Mané é o único ator com capital eleitoral suficiente para vencer Edinho, basta rebobinar os vídeos daquele 2° turno. Por que raios então somente agora o PT reclama do "amadorismo" do "Português"? A cidade inteira sabe disso; há décadas...

A questão é outra. Será possível vencer o projeto articulado pelos "profissionais" Edinho, Vaz e Garcia sem unificar os focos de oposição, numa frente ampla, em torno de Manoel Antunes? Eis o real custo-benefício a ser analisado pelos petistas.

E se o PT tem certa razão em apontar o "amadorismo" de Antunes como a causa de mais uma provável derrota, por outro lado, deveria avaliar também sua própria abstenção em organizar e dirigir a reunião de todos os partidos, organizações e personalidades contrários ao governo Edinho Araújo (PPS).

Infelizmente, não se trata de uma questão ideológica, uma vez que Mané nunca foi de "direita" ou de "esquerda" (e, talvez, isso explique a facilidade com que o "Português" se filiou ao PFL, disputando e perdendo duas vezes para Edinho, em 2000 e 2004, e depois ao PSB). Trata-se, porém, de elaborar e estabelecer uma alternativa popular à cidade, com chances - remotas - de bater o projeto elitista e profissional da trinca Edinho-Vaz-Garcia, confiando ao Mané a cabeça da chapa.

Caso contrário, Mané e PT assumirão de véspera a derrota e darão aval à fragmentação da oposição e à multiplicação de candidaturas, criando assim o cenário dos sonhos para os "profissionais", que, note-se, estão reunidos numa "frente".

Afinal, "qualé" a do Mané? E a do PT?

NOTA

[1] O recém-criado Partido dos Trabalhadores de Rio Preto lançou a chapa José Carlos da Costa Bueno (prefeito) e Ademar Bartolomei (vice) e amargou o último lugar na disputa de 1982. Em 1988, o PCB "rompeu" com o PMDB - leia-se Toninho - e concorreu com Liberato Caboclo, que terminou como o 4° mais votado; o PT saiu com José Carlos Lopes (prefeito) e Romildo Sant'Anna (vice), ficando na penúltima colocação. Quatro anos depois (1992), enfrentando a maior crise em 80 anos de existência e já sem personalidade jurídica, o PCB cindiu-se entre Mané (PMDB) e Caboclo (PDT). Vasco ficou com o "Português"; os criadores do PPS apoiaram a frente de partidos organizada por Caboclo (PDT-PSDB-PT-PV). A frente seria reeditada em 1996, com Marco Rillo (prefeito) e Silas Tiepo (vice), sem PSDB (que optou por Marcelo Gonçalves, PTB) e sem Caboclo, que seria eleito por uma hetedoroxa aliança com o PFL e pagaria caro por isso... Em 2000, a frente persistiu, mas com os novos atores Edinho Araújo (PPS) e Maureen Cury (PT) e, até hoje, PT e PPS pagam caro por isso... No último pleito (2004), o PT lançou o ex-vereador Eduardo Nicolau, que ficou na 3ª colocação, e o PCB apoiou a ex-secretária da Assistência Social de Caboclo, então vereadora Regina Chueire (PDT). Regina terminou à frente apenas de Daniel Caldeira (PV).

> LEIA NA ÍNTEGRA A COLUNA DO DIÁRIO: SEM CHANCE
(14/10/2007).

* Texto originalmente publicado no IBORUNA21 (
19/10/2007).

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